Apostas são familiares aos brasileiros há muitas gerações. Elas marcam tradições de fim de ano, como a Mega da Virada, ou programas de televisão dominicais, como o sorteio da Tele Sena no SBT, até mesmo jingles que estrelas do sertanejo apresentavam durante os intervalos de programas de TV nos anos 2000.
Nos últimos anos, no entanto, as apostas esportivas tomaram o Brasil por completo, especialmente no futebol. Os gramados começaram a se rechear de logos de casas de apostas, na boca do povo, odds e fantasy leagues se tornaram palavras-chave ao falar de apostas.
E o principal fator que conecta a expansão do mercado de apostas e o motivo para qualquer brasileiro, mesmo que não seja um apostador, conseguir lembrar de cabeça o nome de pelo menos cinco operadoras é o marketing.
Pensando na expansão do mercado de apostas para além do mundo esportivo, o SBC Notícias Brasil entrevistou o mais novo palestrante do SBC Summit Rio 2025, Marco Elias, que atua no time Estratégia voltado para Marketing Digital do Grupo NSX e com mais de 20 anos de experiência na indústria de jogos e apostas, para destrinchar tendências do mercado, desafios e entender como o marketing pode se reinventar para 2025.
Com o mercado consolidado e novas regras de publicidade estabelecidas por órgãos reguladores, é importante que toda marca saiba como se posicionar no mercado regulamentado, a fim de seguir as normas e ainda assim ter liberdade para explorar opções de marketing voltadas para o consumidor final.
SBC Notícias Brasil: Marco, quais seriam os maiores desafios que o marketing de apostas enfrenta no Brasil atualmente?
Marco Elias: Tenho mais de 20 anos de experiência no mercado regulado de loterias, confesso que fiquei assustado ao me deparar com a forma que o mercado autorregulou o marketing de apostas.
Na ausência de regras, foi um verdadeiro vale-tudo, falta de preocupação em evitar segmentação para menores de 18 anos e, em muitos casos, estímulos de apostas para este público. Muitos jogos têm a temática com elementos lúdicos do universo infanto-juvenil. É preciso cautela, não reproduzindo esses elementos nas campanhas, de modo que pareçam voltadas a um público menor de idade.
SBC Notícias Brasil: E quanto à aquisição de clientes?
Marco Elias: Considero a aquisição de novos clientes também um dos grandes desafios. Em um mercado que durante quatro anos teve, e ainda tem, a prática de distribuição de bônus de entrada como um pilar da aquisição de clientes, muitos operadores terão que se reinventar na forma de buscar novos clientes, uma vez que esta prática não será mais permitida na virada do ano.
Com o fim das ofertas de bônus, a meu ver, estes apostadores tenderão a optar por uma ou poucas casas de apostas de sua preferência. As estratégias de marketing desempenharão um papel de extrema importância na retenção dos clientes que hoje são clientes de diversos operadores.
Pesquisas mostram que um percentual relevante da aquisição de novos clientes está relacionado à indicação da casa de apostas por um amigo ou familiar que teve uma boa experiência. Estratégias de CRM, de criação de conteúdo de valor que gere engajamento, alinhamento com o time de produto para melhoria da experiência do usuário, tudo isso vai contar na hora da aquisição e retenção de clientes.
O uso de estratégias de growth [crescimento], que permitem alavancar o faturamento sem alavancar o investimento em marketing, será crucial para que as empresas de menor porte consigam competir minimamente com as gigantes globais que estão entrando no mercado e com as potências que já estavam no mercado, mas que frearam seus investimentos até que o mercado fosse regulamentado.
SBC Notícias Brasil: Na sua visão, como o marketing digital pode ajudar a quebrar o estigma negativo em torno da indústria de apostas e jogos on-line?
Marco Elias: Acho importante tratar do tema do combate à manipulação de resultados. Fico impressionado com a quantidade de gente que acredita que a manipulação de resultados acontece por interesse direto das casas de apostas, sem fazer ideia de que elas são as maiores prejudicadas, visto que são as que pagam prêmios ganhos através de uma ação fraudulenta de alguns apostadores. O marketing é ferramenta fundamental para que estas mensagens sejam massificadas e o estigma de bicho papão seja desfeito.
Mas é preciso que saibam que o que está em jogo não é se o Brasil terá apostas ou não. É se as apostas serão regulamentadas ou não. As apostas sempre existiram e continuarão a existir – mesmo que em uma canetada se decida por uma proibição.
Quando o mercado é regulamentado, o apostador fica protegido, os players sérios investem pesado, existe uma enorme geração de empregos e o governo recolhe os impostos, o que não acontece desde a legalização das apostas em 2018. Quem mais torce e luta pela não regulamentação são os operadores ilegais.
SBC Notícias Brasil: Quais são as tendências emergentes no marketing de apostas que você acredita que terão um impacto significativo no Brasil?
Marco Elias: Eu vejo o uso de estratégias de growth com um grande potencial no Brasil. Principalmente nas empresas que não conseguirão competir com o orçamento dos gigantes. Patrocínios estão hiperinflacionados, colocar verba em TV pode ser proibitivo para muitos operadores. A estratégia de aquisição de usuários através de bônus não será mais permitida.
Cada vez mais os times de marketing deverão ter profissionais voltados a testar, medir, ajustar e escalar o que deu resultado. A visão tem que ser ampla, trabalhar em conjunto com o time de CRM, realizar pesquisas com a base. Às vezes, o game changer pode estar em uma alteração no produto, que você pesca o insight em uma pesquisa com sua base de clientes.
Acredito que a personalização das campanhas será muito útil na estratégia de marketing, possibilitando criar campanhas altamente ajustadas ao comportamento e às preferências de cada usuário. Eu gosto muito da ideia de campanhas contextualizadas. Funciona muito, por exemplo, para trabalhar as paixões dos torcedores.
Se alguém está em um portal lendo uma notícia sobre determinado time ou esporte, tem grandes chances de ser um fã. Quando ele é impactado por uma peça de marketing contextualizada com sua paixão e direcionado para uma landing page que de alguma forma mexa com sua emoção, grandes são as chances de ele realizar uma aposta em determinado time ou esporte de sua preferência.
Também apostaria na regionalização. O Brasil tem dimensões continentais, diferentes culturas e regiões. Eu vejo um impacto significativo na criação de campanhas que dialoguem com o público local. Isso gera engajamento com a marca de maneira mais profunda. Alguns operadores de menor porte já trabalham a regionalização de forma consistente. Mas ainda vejo bastante espaço a ser explorado nesse sentido.
SBC Notícias Brasil: Como você avalia a expansão do mercado de apostas e jogos on-line para além do esporte? É um movimento que começou a partir das casas de apostas querendo expandir suas ações, ou foi uma demanda que surgiu do mercado fora do esporte e as operadoras abraçaram?
Marco Elias: Eu acho que este movimento começou com as casas de apostas, mas hoje é uma via de mão dupla, com muitas personalidades de outros segmentos buscando sua fatia nesse mercado milionário.
Eu entendo que a contratação de embaixadores, influenciadores e personalidades fora do meio esportivo cumpre diferentes objetivos. Primeiro, ajuda as marcas a se posicionarem como empresas de entretenimento mais amplas, que vão além da oferta de apostas esportivas. Com isso, é possível diversificar e atrair novos perfis de consumidores que talvez não sejam ligados ao esporte.
Além disso, o Brasil é um país onde a mídia de massa, em especial a televisão, ainda tem uma penetração muito grande. Buscar personalidades de reconhecimento nacional tende a aumentar o recall das campanhas, que é extremamente importante nesta indústria onde a competitividade e a disputa por exposição são muito acirradas.
Também acho que as celebridades que atuam fora do esporte, em especial as ligadas à televisão e ao mundo da música, podem ajudar a suavizar as percepções negativas que algumas pessoas têm sobre o setor de apostas, visto que emprestam para as marcas sua credibilidade e conexão com seu público.
SBC Notícias Brasil: Como a segmentação e personalização de campanhas de marketing podem ajudar a atrair novos apostadores para áreas além do esporte?
Marco Elias: Existe um número enorme de pessoas ávidas pela experiência de entretenimento on-line e que não pertencem ao universo de apostadores esportivos. Esse entendimento é fundamental para assertividade das campanhas.
A personalização vai além de adaptar o conteúdo. É preciso entregar a mensagem certa, no momento certo, em canais que esses públicos costumam frequentar. Já a segmentação permite que essas mensagens sejam direcionadas apenas para os grupos certos, aumentando a eficácia da campanha.
Para as empresas que já estão em operação no Brasil, recomendo analisar sua base de clientes de jogos on-line para identificar comportamentos, perfis, dados demográficos ou qualquer outro dado que seja relevante criar hipóteses e testar campanhas. Isso inclui a realização de pesquisas com a base de clientes. Jamais subestime a capacidade que o bom e velho Google Forms tem de trazer percepções valiosas vindo da sua base de clientes.
SBC Notícias Brasil: Por fim, quais são suas expectativas dentro do marketing digital para o ano de 2025, após a regulamentação oficial do setor?
Marco Elias: Minhas expectativas são extremamente positivas. No contexto do marketing digital, espero uma grande demanda por profissionais com perfis estratégicos e analíticos. A adoção de tecnologias como Big Data e inteligência artificial será ainda mais intensa, permitindo uma compreensão mais profunda dos comportamentos e das preferências dos consumidores. Isso dará aos profissionais de marketing as ferramentas necessárias para criar campanhas mais personalizadas, segmentadas e, acima de tudo, eficazes.
Além disso, acredito que muitos operadores vão internalizar suas equipes de criação e performance para obter mais agilidade na execução e otimização das campanhas, fundamentais para o crescimento do negócio.
No âmbito regulatório, minha expectativa é que o órgão responsável atue de forma rigorosa, garantindo que todos os operadores sigam as normas estabelecidas. Isso não só elevará o padrão de compliance, mas também dará mais credibilidade e segurança ao setor como um todo, afastando práticas ilegais e criando um ambiente competitivo mais saudável.
Source: SBC Noticias BR